Será que seu filho é realmente “hiperativo”?

Ao invés de falar em hiperatividade, que tal pensar nas relações das crianças muito agitadas?

Quando uma criança é diagnosticada como hiperativa, o médico está confirmando para a família e para a própria criança que ela apresenta uma disfunção cerebral, orgânica e, por esse motivo, precisa da ajuda da medicação e de uma estratégia de cuidados para que consiga se concentrar e permanecer menos agitada no seu dia a dia. Esse diagnóstico irá, portanto, influenciar nas relações dessa criança. Além disso, ela também será submetida aos efeitos da medicação e aos seus efeitos colaterais, o que torna fundamental que o diagnóstico seja feito de maneira muito criteriosa.

Porém, hoje em dia, não é novidade que existe um excesso nos diagnósticos de hiperatividade. Isso quer dizer que muitas crianças estão sendo tratadas como se tivessem nascido com uma disfunção orgânica sem que antes as relações e as possíveis questões psicológicas decorrentes dessas relações sejam investigadas. Essa investigação é essencial porque muitas questões relacionais e psicológicas podem levar a criança a apresentar comportamentos de agitação e desatenção que costumam logo ser rotulados com o diagnóstico de hiperatividade.

Existem muitos caminhos possíveis para se entender o sentido do comportamento agitado da criança levando em consideração as suas relações e as experiências emocionais que essas relações provocam na criança. Um caminho possível é considerar que a criança que é muito agitada, pode não ter desenvolvido o contato com as suas sensações. Uma criança que não reconhece suas próprias sensações, não pode se manter em contato com o que sente para buscar o que precisa e, portanto, não é capaz de agir em direção a um objetivo. Sem o contato com as próprias sensações é como se a criança não “assentasse” em seu próprio corpo; ela permanece em movimento, “perambulando”, sem uma intenção especifica. Por esse motivo, uma criança que não reconhece o que sente é facilmente distraída por outros estímulos do ambiente.

O desenvolvimento do contato com as próprias sensações costuma ser promovido na relação com os pais nas interações do dia a dia com seu filho. Quando os pais comentam, por exemplo, que o suco que a criança está tomando deve ter um sabor amargo por causa da expressão facial que ela faz. Ou ainda, quando a criança está tomada por algum sentimento e os pais a ajudam a narrar o que aconteceu e tentam acalmá-la; eles estão nomeando ou ajudando a própria criança a nomear o que sente. Esse cuidado favorece que ela venha a conhecer e se familiarizar cada vez mais com as suas sensações.

Porém, não é raro que os pais quando se sentem sobrecarregados (e muitos pais se sentem sobrecarregados hoje em dia!) entrem em um estado de ansiedade e pressa e passem a enxergar as suas atividades tanto profissionais quanto relacionadas aos cuidados do filho como uma extensa lista de tarefas que precisam ser cumpridas. Lidar com as atividades a partir de um check list mental é uma estratégia que muitos adultos utilizam para diminuir a pressão que sentem diante de tantas exigências. Porém, é inegável que quando a relação com o filho se restringe ao cumprimento de tarefas, as interações com a criança podem até dar conta das suas necessidades físicas e práticas do dia a dia, mas deixam de lhe oferecer a experiência de familiaridade com as próprias sensações.

Outro caminho possível para tentar entender o sentido do comportamento agitado é considerar que a criança precisa usufruir de uma sensação de tranquilidade para conseguir permanecer concentrada na interação com outras pessoas ou nas atividades que realiza. Essa sensação também é promovida na relação com os pais e com os seus familiares nas interações do dia a dia. Quando as pessoas que cuidam da criança estão tranquilas ou ainda quando estão conscientes dos seus problemas e da sua capacidade para resolvê-los, elas conseguem, na maior parte das vezes, deixar esses problemas em segundo plano quando estão se relacionando com a criança.

Se, ao contrário, a ansiedade, a angústia ou as preocupações tomam conta da pessoa com frequência, a criança, que está sempre muito atenta à fisionomia das pessoas, entende que algo está errado. Assim, ela permanece preocupada, sempre alerta ao que está acontecendo ao seu redor e não consegue usufruir da tranquilidade necessária para se concentrar nas suas atividades e se entreter com as suas brincadeiras.

Assim, o que se percebe é que na grande maioria das vezes, a criança excessivamente agitada e com dificuldade de concentração muitas vezes está expressando, a ansiedade, o estresse e as angústias das pessoas que estão ao seu redor. Além da sua dificuldade de se desenvolver nesse contexto. Nesse sentido, a criança precisa de ajuda e usufruir da tranquilidade necessária para entrar em contato com as suas sensações. E os seus cuidadores também precisam de orientação para que possam tomar consciência dos seus sofrimentos e dos recursos que possuem para lidar com as suas questões.

Se mesmo com as mudanças nas relações, o comportamento excessivamente agitado da criança persistir, é possível considerar a alternativa da medicação. Porém, enquanto esta continuar sendo a principal maneira de se tratar as crianças agitadas é preciso ter consciência de que na maioria dos casos, estaremos permitindo que a criança continue “carregando” e sendo tratada por problemas que não são apenas dela.

Texto da Psicóloga Carla C. Poppa  

Fonte: Just Real Moms

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