Atitudes impensadas ou carregadas de boas intenções nem sempre são, de fato, favoráveis ao desenvolvimento sadio da criança pequena. Rotulá-las é algo comum, mas não faz bem à sua autoestima e à construção de sua identidade. Por isso, conversar com os pais e os cuidadores sobre o tema é o seu papel como profissional da Primeira Infância.
Não é incomum, nas reuniões ou festas de escolas, comentários como estes, dos pais sobre os filhos – e muitas vezes na frente deles: “Meu filho puxou o pai. É teimoso à beça”. “Ela é como a irmã. Não presta atenção em nada”, e assim por diante.
Essas frases, aparentemente inofensivas, podem causar impacto negativo na criança, segundo especialistas entrevistadas pelo site Educar para Crescer.
Para eles, a construção da identidade sofre uma forte influência daquilo que a criança ouve sobre ela das pessoas em quem confia. Ao rotulá-la, olhamos para a criança sob um determinado prisma e tiramos dela a possibilidade de ser diferente.
A reportagem cita um exemplo clássico: “Qual o pai que nunca se surpreendeu ao buscar o seu filho na casa de um colega, em outro ambiente e com outra família, e perceber ou ouvir que ele teve um comportamento totalmente oposto ao que costuma mostrar em casa? Talvez isso ocorra justamente porque, nesse outro lugar, com pessoas que ainda não fizeram um julgamento a seu respeito, ele tenha a possibilidade de experimentar outro comportamento”.
Outro aspecto é a angústia que alguns sentem por ainda não saberem quem são. Para sair desse estado de incerteza, muitos aceitam os rótulos que lhes são dados porque a sensação do desconhecimento sobre si mesmo é muito pior do que viver determinado estereótipo, mesmo que não seja bom. “Às vezes é mais fácil ser algo, mesmo que não muito agradável, do que não saber quem se é”, reforça a matéria. O que se dá é a assimilação desse rótulo (daquilo que ouvem sobre si mesmas), de modos de agir que nem sempre fazem bem às crianças. “A criança quer agradar. Se sua mãe, sua família esperam determinado comportamento, ela tende a corresponder à expectativa”. Ou seja, se a menina é tida como boazinha ou comportada, ela não se permite expressar raiva e, quando esta vem, bate a sensação de culpa. Tudo isso afeta a autoimagem e a autoestima dos pequenos.
Por isso, pais e educadores devem ter cuidado para evitar que os rótulos atinjam a criança. O site Educar para Crescer dá sete dicas de como contribuir para que esse hábito não aconteça:
Não cole atitude com pessoa: Ninguém é igual o tempo todo, certo? Temos momentos de maior entusiasmo ou menor, de mais irritação ou raiva, de mais paciência. “Uma coisa é dizer a uma criança: isso que você fez foi maldoso, deixou seu amigo chateado, e lhe mostrar a consequência do seu ato. E outra muito diferente é, diante de uma atitude que você desaprova, disparar: você é um menino mau!”, aponta Lara. Fazer da pessoa e de uma eventual atitude uma coisa só é meio caminho andado na direção do rótulo. Claro que tomar esse cuidado é mais trabalhoso e exige percepção, mas diferenciar a pessoa de sua atitude vai mostrar à criança que há espaço para mudar, para entender o que fez e poder agir diferente uma outra vez.
Pergunte-se de onde vem o incômodo: Muitas vezes, quando a criança faz algo que desagrada aos pais ou tem determinada atitude, a família atribui a isso tanta importância que acaba ampliando o efeito de algo que seria passageiro. Seu filho não come o tanto que você considera adequado, está ansioso ou mais agressivo? Pergunte-se por que aquilo está afetando tanto você. Com essa resposta, talvez seja mais fácil, em vez de se apegar a esse comportamento, questioná-lo e apontá-lo o tempo inteiro para a criança, simplesmente reconhecê-lo, acolhê-lo e deixa-lo passar. Tenha em conta que, muitas vezes, as crianças estão apenas experimentando, algo que dura um tempo, mas são capazes de se mover desse lugar se aquilo não virar uma definição de si mesma.
Valorize as características individuais: Apontar uma característica ou uma forma de agir é diferente de rotular. Perceber a individualidade de alguém e valorizar esse traço é reconhecer a pessoa. O perigo está em fazer disso algo estático, transformando o que era único e pessoal em algo do qual a pessoa não consegue mais se desvencilhar. É preciso reconhecer e valorizar os pontos fortes de cada um, mas deixar aberta a possibilidade de mudança. E, sobretudo, é importante propiciar às crianças um espaço para experimentar, para poder ser diferente. Quando estampamos sobre elas um rótulo, essa mobilidade fica dificultada – e a mudança desejada, também.
Classifique menos e perceba mais: Qualquer característica, quando levada ao extremo, pode ser prejudicial. Uma coisa é ter liderança e outra, ser autoritário ou mandão. Vale brincar com esse conceito com as crianças, pensar, por exemplo, nos traços de cada um na família e no que acontece com essa condição quando ela se exacerba. A ideia por trás do jogo é perceber e questionar mais – e rotular menos. Também é importante fazer a criança notar quando ela consegue agir de outro modo, se comportar diferente. Afinal de contas, ninguém é apenas uma coisa ou sempre igual. E o rótulo promove justamente isso: toma a parte pelo todo, é uma simplificação.
Cultive a diversidade: Tente propiciar ao seu filho o convívio com crianças de grupos diferentes, de diferentes idades, de outras classes sociais, de outros gêneros. Só assim será possível mostrar que existem, sim, diferenças, mas que elas não nos impossibilitam de conviver, nem merecem ganhar nomes ou ser alvo de gozações. Em geral, as crianças menores lidam melhor com as diferenças, entendem que podem aprender com elas. Outro bom exercício é tentar encontrar denominadores comuns entre todos, apesar das diferenças: o que cada um sabe? O que pode ensinar? Promover trocas de saberes ou trocas de lugares ajuda as crianças a perceberem os mecanismos do reconhecimento e do rótulo.
Use bons exemplos: Um estereótipo vai se fixando na medida em que ele é repetido e reforçado: “os negros são melhores atletas”; “meninas não curtem as áreas de exatas”. É preciso desconstruir essas noções petrificadas. Uma forma de fazer isso é mostrar diferentes exemplos, questionar: por que meninas não podem brincar de construir? Quem falou? Por que meninos não podem colocar brinco? E que tal mostrar uma personalidade de destaque na área de física, como Marie Curie, por exemplo, e pedir às meninas que façam suas experiências? Ou por que não citar um excelente boxeador ou jogador de basquete branco e mostrar o bem que ele se move, o quanto é ágil? Assim as crianças entendem que se pode mudar, experimentar, corrigir rotas.
Todos queremos ser bem vistos: É interessante contar ao seu filho que todos queremos pertencer, ter um grupo que nos contenha e ampare, que todos buscamos, de algum modo, aprovação. E, por isso, é normal fazer esforços para ser aceito ou entrar em determinada “panela”. O que não é razoável é mentir, passar por cima de si mesmo ou se violentar de algum modo nesse caminho. Isso acaba por tornar todos tão homogêneos a ponto de perder a expressão da individualidade. E quando isso acontece, o esforço não vale a pena, trata-se de algo que está cerceando, censurando, que ultrapassou o limite do saudável.